domingo, 28 de fevereiro de 2010

Malandragem


Vou fazer diferente desta vez. Trarei as músicas ao longo do texto e não só no final.

Sempre pensei no que a palavra malandragem poderia significar; esperteza, malemolência, jogo de cintura, desonestidade. Através das músicas, fui construindo algumas respostas para essa pergunta. Com tantas diferentes definições de malandro, começo a acreditar que há vários malandros, dependendo da situação.

Fala-se muito sobre o tipo clássico, o que transgride a honestidade. Aquele malandro do Chico Buarque, que ‘anda de viés’, ‘bebe um gole de cachaça, acha graça e dá no pé’, deixando a conta para alguém pagar, claro.

Jorge Ben Jor tem uma frase com a qual eu simpatizo: ‘se malandro soubesse como é bom ser honesto, seria honesto só por malandragem’. A frase é uma espiral, pois é engraçado pensar em como o malandro poderia ser honesto só pelo prazer de transgredir.

É verdade, há o malandro que transgride. Se a regra é pagar, ele sai sem pagar. Se é assumir compromisso, ‘ele não se amarra em uma só mulher’.Se é trabalhar, ele quer receber a grana ‘sem suar’. Se é esperar, ele 'fura fila'. Ai de quem o vir por aí ‘chacoalhando num trem da central’?! As vezes, ele 'até trabalha, tem mulher e filhos' mas ninguém pode saber. O importante é preservar a imagem... imagina se o confundirem com um otário! Esse malandro deve sempre levar vantagem perante os outros, não pode estar por baixo, diminuído. Uma mentirinha é sempre necessária.

Às vezes o malandro mente, escamoteia e transgride por achar que as
leis a que se submete não lhe trariam fama, admiração e credibilidade. ‘Vou apelar apara a malandragem para proteger a minha imagem’, afinal de contas o malandro é tido em boa conta com as mulheres e os amigos. Malandro é aquele que sabe das coisas’. É preciso convencer as pessoas disso. Marketing pessoal é tudo;o bom malandro sabe disso.

Mas há também outra espécie de malandro, ‘o que sabe o que quer', parecendo andar lado a lado com seu desejo.
Há ainda o malandro consciente, o que ajuda, ‘dá segurança total’ já conquistou respeito e ‘não fala mentiras’.

Cazuza fala do desejo de se ter um pouco de malandragem, pois na pureza não se conheceria a verdade. E o malandro, conhece a verdade?

Essa música ensina então que é preciso malandragem para lidar com os sobresaltos da vida, para dar uma rasteira nas dificuldades. Entendo que ‘conhecer a verdade’ seria então uma forma de ir se equilibrando na corda bamba do que nos faz sofrer.

O malandro pode ou não burlar valores éticos e a lei para isso, ou pode usar de simpatia e jinga, sem perder a ética. A malemolência nesse caso é maior ainda. Teríamos um malandro honesto (não vejo contradição), e com um rebolado ímpar para sair de situações de sufoco. Em muitos casos, inclusive, a jinga do malandro pode estar na própria honestidade. Falar a verdade pode ser o blefe final.

Tentem lembrar do personagem de Javier Bardem no filme de Woody Allen, ‘Vichy Cristina, Bracelona’. Malandramente sedutor e honesto. Até onde poderia ser.

Moreira e Bezerra, ambos da Silva, concordam que o oposto de malandro é o otário, o mané. Enquanto o malandro resolve seus problemas na base do jeitinho, o otário encontra a forma mais difícil para resolvê-lo, e muitas vezes não resolve nada.

A partir de tantas referências musicais, concluo que o malandro é uma figura mítica materializada com mais ou menos frequência na vida de cada um.
Leia-se homens e mulheres. Portanto... ninguém nasce malandro. Lapida-se a malandragem.

(PS: Conferir no texto as referências em itálico às frases em negrito abaixo)




Caramba... Galileu da galiléia
Jorge Ben Jor

'Se malandro soubesse como é bom ser honesto
Seria honesto só por malandragem’

Malandragem
Cazuza/Frejat

‘Eu só peço a Deus um pouco de malandragem
Pois sou criança e não conheço a verdade’

Malandro é Malandro e Mané é Mané
Bezerra da Silva / Neguinho da Beijaflor

‘E malandro é malandro
Mané é mané
Malandro é o cara
Que sabe das coisas
Malandro é aquele
Que sabe o que quer
Malandro é o cara
Que tá com dinheiro
E não se compara
Com um Zé Mané
Malandro de fato
É um cara maneiro
Que não se amarra
Em uma só mulher...’


Malandro Consciente

Bezerra da Silva

É que você é o malandro consciente
Você ajuda a nossa comunidadeVocê dá leite para as crianças
Remédio para quem está doente
E comida para os mais carentes
Ainda dá uma segurança totalAquilo que a favela nunca teve
Que é assistência social’


Malandro Rife
Bezerra da Silva

‘Malandro é malandro mesmo
Em qualquer bocada que ele chega
Ele é muito bem chegado
E quando tá caído não reclama
Sofre calado e não chora
Não bota culpa em ninguém
E nem joga conversa fora’



Malandro Não Vacila
Bezerra da Silva

‘Já falei pra você, que malandro não vacila
Já falei pra você, que malandro não vacila
Malandro não cai, nem escorrega
Malandro não dorme nem cochila
Malandro não carrega embrulho
E tambem não entra em fila’

Malandro Quando Morre
Chico Buarque

‘Malandro quando morre
Vira samba’

O Malandro
Chico Buarque

‘O malandro/Na dureza
Senta à mesa/Do café
Bebe um gole/De cachaça
Acha graça/E dá no pé’



Homenagem Ao Malandro
Chico Buarque

Mas o malandro para valer, ( não espalha)
aposentou a navalha, tem mulher e filho e tralha e tal.
Dizem as más línguas que ele até trabalha,
Mora lá longe chacoalha, no trem da central’


A Volta do Malandro

Chico Buarque

‘Eis o malandro na praça outra vez
Caminhando na ponta dos pés
Como quem pisa nos corações
O malandro anda assim de viésDeixa balançar a maré
E a poeira assentar no chão’


Malandro Em SinucaMoreira da Silva

‘Estou cansado desta vida de otário, afinal o meu salário já não chega para mim
Fui à sinuca pra de alguém tomar a granolina, sem suar, nessa vida só assim
Um certo tipo alinhado e mui granfino, tinha até cara de menino uma partida apreciava

Aproximei-me resoluto e com coragem, e na minha malandragem perguntei se ele jogava...’

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

Dancing with myself


Gosto de dançar, desde que me entendo por gente. Quando tinha 5 anos, colecionava os discos de vinil da Rita Lee. Lembro dessa cena como se fosse hoje. Eu era fã dela. Colocava o vinil (lembro de um em que ela e Roberto de Carvalho saíam do mar e de outro,com a capa meio rosa e preta) e ficava na sala dançando sozinha. Sem muita coordenação motora, e ainda por fora dos passinhos da moda, pulava, me sacudia e sorria, ao som de “baila comigo, como se baila na tribo”.

Mas não era só Rita Lee que freqüentava minha discoteca particular. Mais tarde ouvia Elis Regina do meu pai e achava interessante, embora ainda não soubesse dançar samba.
Pré-adolescência e época de lambada. Lá ia eu novamente com o disco para a vitrola e ensaiava passinhos a lá Beto Barbosa ou Kaoma.

O engraçado é que me lembro muito bem desses momentos. Na adolescência os passos foram ficando mais rebuscados. Colocava minha fitas-cassete e criava coreografias de jazz para músicas de Luscious Jackson, The Cure e Bjork, influenciada por minhas aulas de dança.

Comecei com o jazz. Numa turma de meninas bem mais experientes, me senti um pouco desajeitada, mas com o tempo consegui me adequar. Mas ainda não me dava nenhum arrepio.

Sob efeito dos vários musicais que assistia por semana, aos 10 anos (já tarde) tomei coragem e decidi entrar para o ballet, no qual permaneci por mais de 10 anos, entre idas e vindas causadas pela revolta com a rigidez e pressão intrínseca à essa dança. Me rebelava com a professora e saía, mas não durava mais de um mês. Odeio cobrança excessiva, e ballet é sinônimo disso. Por outro lado é também sinônimo de disciplina, perseverança, boa música, e da dupla preciosa: delicadeza e força. Me ensinou bastante.

Idade adulta, corpo mudado, revolta amansada. Resolvi tentar algo mais agressivo e ao mesmo tempo mais decidido; a dança contemporânea. Novamente fui (por falta de horário) para uma turma de dançarinas mais experientes que eu. Coreógrafa conhecida no meio.

E eu? Cada aula era uma vitória. A coreografia mais fácil da aula parecia introdução de peça da Débora Colker. Em algumas aulas conseguia me divertir. Nas outras, estava mais preocupada em acertar a coreografia. Só sei que no fim deu certo. Nos apresentamos com a academia, e consegui acertar a coreografia (!). O vídeo não me deixa mentir, mas não sei mais o que fiz com ele. Pena.
Quase esqueci, fiz algumas aulas de dança moderna também, bem diferente da contemporânea. Mas não me identifiquei muito.

Há 2 anos decidi escutar uma curiosidade que sempre tive; fazer dança de salão. Por motivos óbvios, escolhi a dança de acordo com o ritmo que mais gosto de dançar, o samba. Não, não escuto discos de bolero em casa, por isso optei por estudar só gafieira.

Quando alguém me pergunta sobre a dança de salão, por mais que eu explique, sempre acho que fica faltando algo. Me surpreendi muito com o que o samba de gafieira me ensinou. Tentarei listar aqui algo do que chamei de estatuto implícito da gafieira.

Antes, algumas letras pra quem gosta de dançar sozinho, como eu:


"Dancing with myself
If I had the chance
I'd ask the world to dance”
Billy Idol




“Sambando na lama de sapato branco, glorioso
Um grande artista tem que dar o tom
Quase rodando, caindo de boca
A voz é rouca mas o mote é bom
Sambando na lama e causando frisson”
Chico Buarque




"Danço porque danço e não descanso até o sol raiar
Dançando certo
Dançando louco
Dançando contra a corrente
Dançando leve
Dançando brusco
Dançando assim simplesmente
Dançando lento
Dançando justo
Dançando rapidamente
Dançando solo(...)"
Adriana Calcanhoto


“Olha que o galo cantou
O sol vai raiar
E você não parou de sambar”
Jorge Ben Jor


“Que menina é aquela que entrou na roda agora?
Ela tem um remelexo
Que valha-me Deus,Nossa senhora”
Caetano Veloso

O estatuto implícito da gafiera- 11 lições


1. (Verdadeiros) dançarinos de dança de salão freqüentam o baile com um objetivo primordial: experienciar uma boa dança.
2. Tratam-se por dama e cavalheiro. O cavalheirismo é mister neste contexto. O cavalheiro deve convidar a dama para dançar estendendo-lhe a mão. Esta deve aceitar a dança segurando-a e dirigindo-se até o local escolhido no salão.
3. Aceita-se a dança não pela beleza ou porte atlético do cavalheiro, e sim por educação ou por sua habilidade na dança. Na minha opinião, a dama pode recusar a dança desde que seja simpática e não constranja o cavalheiro.
4. A dama deve ser conduzida. Deve se deixar conduzir. Aceitar a mão firme em sua cintura, em sua mão. Não acelerar. Não retardar o passo. O cavalheiro pensa no passo a ser feito e em como conduzi-la para isso. Se entender o que o corpo dele quis dizer, ela o segue. Se a dança é bonita de se ver, fluida, há entrega da dama e firmeza do cavalheiro.
5. Nenhuma palavra é trocada. “Gire para lá”, ou “agora eu vou te jogar”. Isso é proibido e desnecessário. A condução é no corpo. Entendimento de pernas, passos, mãos, respiração, pele...

Conferir o texto na íntegra no site 



Músicas pra quem gosta de dançar junto, como eu:

“Baila Comigo!
Como se baila na tribo
Baila Comigo!
Lá no meu esconderijo”
Rita Lee

“When we dance, angels will run and hide their wings”
Sting

“I'd rather dance with you than talk with you
So why don't we just move into the other room
There's space for us to shake, and hey, I like this tune
I'd rather dance, I'd rather dance than talk with you”
The Kings of Convenience



“E vem lá,
Vem lá
Você pra me tirar
Pra dançar
Pra dançar
Madrugada lunar”
Letuce



“We're going down,
And you can see it too.
We're going down,
And you know that we're doomed.
My dear,
We're slow dancing in a burning room”
John Mayer

Alguém tem mais contribuições de músicas?

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