terça-feira, 4 de maio de 2010
Sobre Espermatozóides e Woody Allen (leia até o fim)
O cinema tem quase tanta importância quanto a música na minha vida, e isso não é pouca coisa. Descobri Woody Allen em um filme de 1973, muito antes de eu pensar em gostar de cinema. O filme chama-se ‘Play it again Sam’. O título faz referência à Sam, pianista de Casablanca, que toca a melancólica música do casal protagonista; ‘As times goes by’.
Ao contrário de Casablanca, o filme de Allen é uma comédia. Conta as desventuras amorosas do personagem principal ainda interpretado pelo próprio. Desde o início dos anos 70, as características do protagonista, geralmente seu alter ego, continuam as mesmas. Seu anti-herói é rabugento, neurótico, patético, atabalhoado, ansioso, verborrágico, inseguro e não muito preocupado com as tendências da moda. À primeira vista, características nada atraentes aos olhos femininos.
O que ocorre no entanto, é que o protagonista de Allen por ser também inexplicavelmente sedutor, acaba atraindo mulheres em sua maioria inteligentes, interessantes, atraentes e igualmente neuróticas. É assim em ‘Play it again Sam’ de 1973, ‘Anything Else’ de 2003, e em ‘Melinda Melinda’ de 2004. Nos dois últimos, Woody Allen se faz presente no papel de protagonista na pele de outros atores.
Mais recentemente, Allen vem insistindo em 2 temas em alguns de seus filmes:
o acaso e as escolhas dos sujeitos. ‘Melinda’ (2004) e ‘Match Point’ (2005) são dois exemplos disso. Em ‘Cassandra’s Dream’ (2007) enfatiza o tema da responsabilidade e da culpa atrelada às escolhas feitas.
Seu último filme lançado no Brasil, ‘Whatever works’ (2009) é o exemplo menos metafórico e mais claro da junção desses 2 temas. Allen aponta que o acaso traça caminhos que o sujeito acaba seguindo. Como se fosse uma escolha forçada, ele se resigna e deixa-se levar ao ‘sabor’ dos acontecimentos. Aos poucos vai sabendo que gosto eles tem.
O sujeito até tenta se desvencilhar do acaso, mas uma conjunção de fatores se alinha diante dele formando uma estrada por onde ele segue contente. Os caminhos são improváveis, sem muita explicação racional, mas estão lá, e o sujeito cede. Uma bela jovem de 21 anos pede abrigo na casa de professor universitário bem mais velho e resmungão e o que soava improvável acontece. Poderia ter batido em outra porta, mas...
Mas por que não ceder ao acaso? O diretor, que define seu personagem principal como 'o único que consegue ver toda a cena', adverte os espectadores:
‘Não se iluda. Nem tudo acontece por conta da nossa ingenuidade humana. Uma parte maior do que você gostaria de admitir da sua existência é sorte, acaso. Cristo, você sabe qual a probabilidade do esperma do seu pai encontrar o único óvulo que te gerou?’
Allen ainda profetiza que pensar muito sobre o acaso, tentar prevê-lo, controlá-lo medí-lo, racionalizá-lo ou refutá-lo só nos trará uma saída: ‘um ataque de pânico’. Exageros neuróticos devidamente aparados e parece que não podemos tirar a razão dele. O ‘acaso nos protege enquanto andamos distraídos’, nos levanta quando nos vemos caídos ou nos dá uma rasteira quando já nem sonhávamos.
Frente às boas surpresas que o acaso (ou à sorte) nos reservam, resta-nos recalcular os passos, mudar o rumo previsto e aproveitar a caminhada. Mas como diz outra canção, é preciso saber ouví-lo.
Música & Acaso
http://www.youtube.com/watch?v=RJfr7GUW52w&feature=related
O velho e o Moço
Los Hermanos
Vou levando assim
Que o acaso é amigo
Do meu coração
Quando fala comigo,
Quando eu sei ouvir...
Epitáfio
Titãs
O acaso vai me proteger
Enquanto eu andar distraído
O acaso vai me proteger
Enquanto eu andar...
The next time around
Little Joy
It's not enough to set the terms
If nothing ventured, nothing earned
It's how it's always been
E onde a sorte há de te levar
Saiba, o caminho é o fim, mais que chegar
Tudo por acaso
Lenine
Eu sei,
Tudo por acaso
Tudo por atraso
Mera distração
Eu sei
Por impaciência
Por obediência
Pura intuição
Qualquer dia, qualquer hora
Tempo e dimensão
O futuro foi agora, tudo é invenção
Ninguém vai saber de nada
E eu sei
Pelo sentimento,
Pelo envolvimento,
Pelo coração
Eu sei
Pela madrugada
Pela emboscada
Pela contramão
Qualquer dia, qualquer hora
Tempo e dimensão
O futuro foi agora, tudo é invenção
Ninguém vai saber de nada
Eu sei
Por qualquer poesia
Por qualquer magia
Por qualquer razão
Eu sei,
Tudo por acaso
Tudo por atraso
Mera diversão
Whatever works- Script
Final monologue
‘I happen to hate New year's celebrations.
Everybody desperate to have fun.
Trying to celebrate
in some pathetic little way.
Celebrate what? A step closer to the grave?
That's why I can't say enough times,
whatever love you can get and give,
whatever happiness
you can filch or provide,
every temporary measure of grace,
whatever works.
and don't kid yourself, it's by no means
all up to your own human ingenuity.
A bigger part of your existence is luck
than you'd like to admit.
Christ, you know the odds
of your father's one sperm
from the billions,
Finding the single egg that made you?
Don't think about it,
you'll have a panic attack’
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Oi Carol ! Está mto bom seu texto !! Vc escreve bem pra caramba . De forma leve e gostosa . Parabéns !! Deu a maior vontade de assistir ao filme .
ResponderExcluirMto interessante a parte do acaso .Sorte de quem tem a capacidade de percebe-lo.
Bjs,
Claudia
Sugestão do Los Hermanos: Último Romance. Tem as músicas que dizem o contrário, quando forçamos a barra em situações que não dão pé e não esperamos o acaso acontecer. Exemplo disso: Retrato pra Iaiá, também do Los Hermanos. Acho que há uma música deles para cada situação, incrível isto, não? Não vi o último do Woody Allen, mas acho que como ele estava nos últimos filmes bem fascinado por Dostoievski, a culpa é elemento forte, e esta só pode advir de escolhas: e é uma escolha deixar o acaso nos envolver, ou não.
ResponderExcluirótima lembrança de retrato pra Iaiá
ResponderExcluir'Deixa ser como será
Eu vou sem me preocupar.
E crer pra ver o quanto eu posso adivinhar.'
boa dica ir sem se preocupar.
bj